terça-feira, 20 de março de 2012

Sessões de leitura por Liu Xiaobo



Autor do vídeo: Luís Miguel Cardoso da Rocha - 12ºC

Não tenho inimigos: a minha última declaração
(excerto)


cumpro a minha sentença numa prisão tangível, enquanto tu esperas na prisão intangível do coração. o teu amor é a luz do sol que salta os altos muros  e penetra as barras de ferro da janela da minha prisão, golpeando cada milímetro da minha pele, aquecendo todas as células do meu corpo, permitindo-me sempre manter a paz, a franqueza, o brilho no coração, e encher de significado cada minuto do meu tempo. o meu amor por ti, por outro lado, é tão cheio de remorsos e lamentos que me fez cambalear perante o seu peso. eu sou uma pedra insensata no deserto, chicoteada pelo vento violento e chuva torrencial tão fria que ninguém se atreve a tocar-me. mas o meu amor é sólido e afiado, capaz de perfurar qualquer obstáculo. e mesmo que eu fosse esmagado e me tornasse pó, eu ainda usaria as minhas cinzas para te abraçar.
.

Liu Xiaobo
tradução de Pedro Calouste



Uma carta é suficiente
para a Xia

uma carta é suficiente
para me transcender e enfrentar-te
quando falas

e assim que o vento sopra para o passado
a noite utiliza
o seu próprio sangue
para escrever um verso secreto
que me relembra que
cada palavra é a última palavra.

e o gelo no teu corpo
se dissolve num fogo mitológico;
nos olhos de quem executa
a fúria torna-se pedra.

dois pares de caminhos-de-ferro
inesperadamente sobrepostos, os
insectos embatem nas lâmpadas
de luz, um sinal eterno
que persegue a tua sombra.

Liu Xiaobo
tradução de Pedro Calouste


Um pequeno rato na prisão

para a pequena Xia

um pequeno rato passa através das barras de ferro,
anda para trás e para a frente no parapeito da janela,
os muros sem casca vigiam-no,
os mosquitos cheios de sangue vigiam-no,
ele até desenha a lua do seu céu,
a sombra de prata que desencoraja a beleza
como se esta voasse

um homem muito nobre o rato esta noite,
não come nem bebe nem range os dentes quando olha
fixamente com olhos cintilantes e dissimulados
passeando ao luar.

Liu Xiaobo
tradução de Pedro Calouste

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